Análise completa, mas sem spoilers, de The Endless (2017)

Filme lovecrafiano feito com troco de pinga, mas sólido e honesto, que foge dos clichês e promove um suspense psicológico adequado ao horror cósmico.

Adicionado a 25 de novembro de 2024 por Facínora.

Neste artigo, trago minha análise completa, mas sem spoilers, do The Endless (O Culto), um filme de terror psicológico e ficção científica que mistura mistério, suspense e elementos lovecraftianos. Foi lançado em 2017 e dirigido por Justin Benson e Aaron Moorhead.

Co-estrelado por Callie Hernandez, Tate Ellington, Lew Temple e James Jordan, o filme conta a história de dois irmãos (Benson e Moorhead) que visitam um suposto culto ao qual pertenciam anteriormente. The Endless pode ser interpretado como uma sequência parcial do filme Resolution, de Benson e Moorhead de 2012, pois compartilha o mesmo universo e alguns dos mesmos personagens.

Logo de cara, dá pra notar que The Endless foi feito com um orçamento que varia entre troco de pão e pedaços de barbante, o que normalmente me espantaria, visto que hoje em dia não se fazem mais filmes B (ou C) assistíveis e muito menos com o charme de antigamente, mas não é o caso aqui. A obra se destaca não pela grandiosidade, mas pela forma como se utiliza do que é sutil e atmosférico.

Outra coisa fácil de perceber também é que, ao contrário de outros filmes lovecraftianos mais ou menos recentes, como o surpreendente The Void, The Endless não é visceral e faz uso do “slow burn”, criando uma tensão crescente ao longo da trama, apostando na construção lenta e constante da tensão e dispensando o uso de jumpscares. O ritmo é mais pausado, mas isso não atrapalha a imersão.

Há um suspense psicológico é cultivado ao longo de toda a narrativa, pois The Endless não revela tudo de imediato, promovendo um tom de incerteza que torna a jornada dos personagens misteriosa e potencialmente imprevisível, sem se entregar a explicações fáceis ou respostas prontas, o que faz o espectador questionar o que está acontecendo e o que significa tudo isso.

O aspecto mais interessante de The Endless, pra mim, é como a obra incorpora elementos lovecraftianos, especialmente a ideia de uma entidade ou força cósmica que é completamente incompreensível para os personagens. A ideia de que há algo além da nossa compreensão, que opera de maneiras que não podemos entender ou controlar, é fundamental. Entretanto, ao contrário de muitos filmes de terror cósmico, The Endless não recorre a monstros grotescos ou cenas chocantes para comunicar essa ideia, pelo menos não de forma explícita.

Em vez disso, o filme constrói uma sensação de desorientação e desconforto ao introduzir, gradualmente, a ideia de que a realidade ali pode muito bem ser algo que não parece ser. A presença do desconhecido é sentida, mas nunca explicada de forma satisfatória — e isso é o ponto. Pode ser uma deficiência do roteiro ou deliberado, pois, como em boa parte das obras de Lovecraft, a verdadeira ameaça está em algo tão vasto e indescritível que nossa mente humana não consegue conceber completamente.

Também,em partes, a narrativa me pareceu um tanto quanto desconexa. É bem longe daqueles filmes abstratos onde não se entende porcaria nenhuma, feitos para agradar gente pretensiosa metida a intelectual, mas algumas sequências acontecem sem muita explicação ou se alternam sem uma conexão objetiva, deixando o público sem respostas claras. Isso pode ser interpretado como um defeito, mas também pode ter sido deliberado, uma escolha estética. O que está sendo proposto é um ambiente onde a lógica humana não se aplica mais — é o caos, o incompreensível, o inexplicável.

Se a ideia é realmente trazer essa sensação de desorientação, a falta de respostas claras e a estrutura fragmentada fazem parte dessa atmosfera. Isso é particularmente eficaz no gênero lovecraftiano, onde a falta de respostas é mais aterrorizante do que as respostas que poderiam ser dadas. Dito isso, o The Endless, estruturalmente falando, não é caótico e ainda tem um desenvolvimento linear e sólido. Só algumas partes que parecem surgir meio que do nada, o que pode ser tanto uma virtude quanto um desafio para os espectadores.

Outro aspecto que percebi refere-se à interação entre os personagens, que não é muito profunda, sem explorar aspectos emocionais demasiadamente complexos, mas é suficiente para desenvolver a atmosfera e dar ao público algo com que se preocupar. Os dois protagonistas, Aaron e Justin, têm uma relação de irmãos e também carregam o peso de um passado em comum. São, ao mesmo tempo, figuras de identificação e, ao mesmo tempo, carregam um certo distanciamento emocional entre si e diferentes perspectivas sobre o que acreditam que pode estar acontecendo. É também uma relação que serve para reforçar o mistério, mostrando que, mesmo com laços familiares, a compreensão do que acontece ao redor deles é limitada. Em geral, achei que o desempenho do elenco, considerando o orçamento apertado, é bom.

Em suma, The Endless é um filme de terror honesto que foge razoavelmente do convencional, sem depender do mainstream e dos clichês do gênero, trazendo algo mais sutil, mais psicológico e mais perturbador por sua ambiguidade. Mesmo com orçamento limitado, consegue criar uma experiência de imersão, onde o medo não vem de monstros visíveis, mas da sensação constante de que algo está errado, de uma ameaça incompreensível se aproximando cada vez mais. A falta de respostas e a sensação de ciclo interminável contribuem para a criação de uma experiência única.

Embora não vá levar ninguém à loucura, como sugerido nas obras de Lovecraft, The Endless consegue capturar a essência do horror cósmico de forma eficaz. É um filme sólido e honesto que promove um suspense psicológico e transmite ao espectador uma sensação de inquietação duradoura sem cair no exagero ou no grotesco.

Trailer

Sinopse

Dois irmãos, Justin e Aaron, recebem uma mensagem inesperada de um antigo grupo de cultistas que eles frequentavam na infância, levando-os a retornar ao misterioso Camp Arcadia. Enquanto Aaron lembra do local como uma comunidade acolhedora, Justin acredita que o grupo era uma seita perigosa. Ao chegar, encontram os membros do acampamento inexplicavelmente iguais, sem sinais de envelhecimento, e começam a presenciar eventos estranhos que desafiam a lógica. À medida que os irmãos exploram o lugar e suas peculiaridades, eles se veem confrontados por forças misteriosas e precisam decidir entre permanecer ou escapar antes que seja tarde demais.

Ficha técnica

  • Título: The Endless (2017);
  • Duração: 111 minutos;
  • Gênero: Terror, suspense psicológico;
  • Escrito e dirigido por: Justin Benson e Aaron Moorhead;
  • Produzido por: Justin Benson, Thomas R. Burke, David Lawson Jr., Aaron Moorhead, Leal Naim;
  • Elenco Principal: Justin Benson, Aaron Moorhead, Callie Hernandez, Tate Ellington, Lew Temple, James Jordan;
  • Data de Lançamento: 21 de abril de 2017 (Tribeca Film Festival), 6 de abril de 2018 (Estados Unidos);
  • País: Estados Unidos;
  • Idioma original: inglês;
  • Distribuição: Well Go USA Entertainment;
  • Produção: Rustic Films, Snowfort Pictures, Love & Death Productions, Pfaff & Pfaff Productions.

Mod lovecraftiano pra Doom

Bom, vou aproveitar que estou aqui e fazer o meu jabá divulgando um vídeo que fiz do Strange Aeons, um inquietante e também honesto mod com temática lovecraftiana pra Doom:

Explicação (COM MUITO SPOILER)

Já que parece que o pessoal está gostando desta análise, resolvi voltar aqui e trazer um vídeo do canal Marvelous Videos — o qual é meio spam, mas mesmo assim traz umas coisas interessantes — que analisa e explica The Endless amplamente.

Gostei da explicação, mas o vídeo tem dois problemas: não tem legendas manuais em português (embora dê pra traduzir a transcrição automática em inglês pra PT-BR na barra de reprodução) e, como dito acima, tem muito spoiler.

Esteja avisado:


É isso aí. Valew!

Resta agora você deixar aí o que você achou do filme e/ou da resenha aí nos comentários.

Abraços!

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